quinta-feira, março 15, 2007

"É um prazer lembrarem-se do meu nome"

Isabel LucasArquivo DN-Paulo Spranger (imagem)
Uma frase, apenas. Enquanto o escritor escrevia. Disse-a e depois continuou a escrever. "É um prazer lembrarem-se do meu nome." Reacção breve entre o momento de escrita interrompido por um telefonema do Brasil, Rio de Janeiro, onde o júri reunido na tarde de ontem decidiu por unanimidade atribuir-lhe aquele que é mais valioso dos prémios literários para escritores de língua portuguesa. António Lobo Antunes, 64 anos, o homem que em 2006, disse, numa entrevista ao DN, ter a noção de que Deus se está nas tintas" para os seus livros , é o 19º vencedor do Prémio Camões. Na declaração que mandou tornar pública não houve espanto nem euforia. António Lobo Antunes está a terminar aquele que será o seu próximo romance e, ao contrário do que aconteceu com José Luandino Vieira - o autor angolano que ganhou o galardão em 2006 -, o escritor português irá aceitar os 100 mil euros do prémio financiado em partes iguais pelos ministérios da Cultura de Portugal e do Brasil. Fundamento para a decisão do júri: "A maestria em lidar com a língua portuguesa, aliada à maestria em descortinar os recessos mais inconfessáveis dos homens, transformando num exemplo de autor lúcido e crítico da realidade literária." E o escritor continuou a escrever, sem o espanto do inesperado. O inesperado de se terem "lembrado" do seu nome. "Já devia ter recebido o prémio há uns anos. À parte isso, é bom. Chama ainda mais a atenção para a obra dele ", disse ao DN Tereza Coelho, da Dom Quixote, a responsável pela edição da obra de Lobo Antunes. O anúncio coincide com o momento em que António Lobo Antunes é tema de um colóquio inédito agendado para os dias 5 e 6 de Abril, na Sorbonne em Paris. O primeiro que é dedicado à obra de um único escritor. Com 26 títulos editados, o último no final de 2006 - Ontem não te vi em Babilónia - e uma obra traduzida em 16 línguas, o escritor comparou um dia a sua tarefa à de "alguém que anda à noite, a remexer naquilo que as pessoas não querem - restos, trapinhos, papéis amarrotados . É com estes pequenos nadas, com estas pequenas coisas que o romance se constrói, coisas, afinal, que a gente vê e em que não repara, mas que nos tornam mais conscientes quando mexemos nelas". Foi num colóquio em Évora, em 2002. Em 2006 diria ao DN que escrever era uma forma de "não cair." Medico psiquiatra, Lobo Antunes estreou-se na escrita com o romance Memória de Elefante. Foi em 1979. Nesse mesmo ano sairia ainda Os Cus de Judas. Era o princípio de um percurso que o levou a acumular prémios. Destaque para o Jerusalém (2004), e, em 2006, o Ibero-Americano de Letras José Donoso pelo conjunto da obra, que o escritor irá receber este ano ao Chile. O mesmo ano em que o Brasil lhe prepara uma festa por ocasião da publicação de Ontem não te vi em Babilónia. Será em Outubro. Até lá, Lobo Antunes espera continuar a escrever livros que façam as pessoas adoecer, como disse ainda ao DN. Porque boas histórias há outros para as contar.