Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZvsv4ZztUhH7RlpsS2OeaThEKkJjanPwUdFJy2L3VJpysdCVlcDdo1nRKUB7rXZpxzJvp_qQJiWzFA-r82awpC5E65Kkv8YlQQketUEGK3DnyZzTylVmhvI-bYlNA-fLEijHqvg/s200/eugenioandrade.jpg)
Eugénio de Andrade
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZvsv4ZztUhH7RlpsS2OeaThEKkJjanPwUdFJy2L3VJpysdCVlcDdo1nRKUB7rXZpxzJvp_qQJiWzFA-r82awpC5E65Kkv8YlQQketUEGK3DnyZzTylVmhvI-bYlNA-fLEijHqvg/s200/eugenioandrade.jpg)
Eugénio de Andrade
2 Comments:
o problema é vivermos como se fossemos eternos...
Boa tarde :-)
Este é, na minha modesta opinião, um dos mais belos poemas de Eugénio de Andrade.
Foi muito bom recordá-lo :-)
Que as palavras gastam renasçam em 2007 tão belas e sentidas como um dia foram...
Um beijo
Enviar um comentário
<< Home