terça-feira, outubro 17, 2006

Para onde vai a blogosfera?


Para onde vai a blogosfera?
Pedro Neves

A reitoria da Universidade do Porto recebeu este fim-de-semana o 3.º Encontro Nacional sobre Weblogs. Em análise esteve um dos mais populares fenómenos da Internet.

Ao início da tarde de sexta-feira, 14, as dúvidas pareceram ficar esclarecidas e os anseios mais sossegados. "Os blogues não vão acabar nunca. Ponto." Risos e sorrisos na audiência, onde se juntaram profissionais, entusiastas e teóricos da comunicação, partilhando experiências e conhecimentos acerca do fenómeno dos blogues.
A convicção de que os blogues não vão acabar é de José Luís Orihuela, professor da Universidade de Navarra, «blogger» profissional, e um dos pioneiros do uso dos blogues no ensino. A sua intervenção era uma das mais aguardadas entre as muitas comunicações apresentadas no auditório da reitoria da Universidade do Porto, no âmbito do 3.º Encontro Nacional sobre Weblogs que foi igualmente o 1.º Encontro Luso-Galaico da mesma temática. Ao longo de sexta-feira e sábado, «bloggers» profissionais, investigadores e amadores reuniram-se para discutir o uso desta ferramenta tecnológica no ensino, no mundo empresarial, no campo pessoal e a sua influência na esfera pública e privada.
Se houve quem tenha vindo da Covilhã, de Lisboa ou da Galiza para assistir às conferências, Alex Primo atravessou mesmo o Atlântico para discutir o fenómeno dos blogues como espaços conversacionais na comunidade «insanus». Alex é dos participantes mais activos nos debates. Tem sempre perguntas a fazer, comentários, observações. Embora realce a importância dos «weblogs» na prática da cidadania e da comunicação global, Alex Primo garante que a presença física terá sempre o espaço primordial. "O fenómeno dos blogues merece ser discutido. Aproveitei para vir a Portugal participar, conhecer o país e procurar parcerias. E para isso nada como conhecer pessoalmente possíveis parceiros", diz ao EXPRESSO. "A Internet não matou as relações pessoais, como o vídeo não matou a rádio nem a imprensa escrita e como os blogues não vão matar o jornalismo. Nada vem substituir nada. Neste caso, o blogue é apenas mais uma alternativa", explica Primo, que é investigador da Universidade de Portalegre, Brasil.
Há muito que os blogues deixaram de ser considerados diários íntimos de adolescentes. "A partir do momento em que os escritos são publicados na Internet à escala global, deixam naturalmente de ser íntimos", explica Primo.
"Aqui estamos a desvirtualizar"
Na sala do auditório, enumeravam-se as vantagens dos blogues como instrumentos auxiliares à educação. Apresentava-se o caso dos "Sabichões da Azeda", um grupo de alunos do 3.º e 4.º ciclo de uma escola de Setúbal e o sucesso da sua interacção com o blogue que criaram na turma ou o papel desta ferramenta tecnológica como auxiliar educativo num grupo de alunos de currículo alternativo. Seguia-se o espaço de debate que continuava, invariavelmente, nos intervalos. "Aqui estamos a desvirtualizar", confessa Fernando Zamith, coordenador do Encontro. Junto à porta do auditório, há gente de todos os géneros, de ambos os sexos, de diferentes idades e profissões. Pode-se falar em "perfil de um blogger"? "O perfil dos bloggers diluiu-se muito", conta Fernando Zamith, que também é docente de jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. "Antes, era gente muito nova, com 20 e tal anos, maioritariamente do sexo masculino e ligada às novas tecnologias ou ao ensino. Hoje está muito mais democratizado. A utilização é muito mais fácil", explica.
O 3.º Encontro Nacional sobre Weblogs assumiu um cariz marcadamente académico. "Queremos com isto dizer que os blogues não foram apenas uma moda como se chegou a escrever. Cada vez mais se estuda a blogosfera e se reflecte sobre este fenómeno", explica Zamith. A blogosfera é credível? "Não necessariamente. Mas deseja-se que sim. É acima de tudo, um espaço de liberdade", afirma o coordenador que criou o blogue 'jornalismoportonet' para a cadeira que lecciona na FLUP. "Tem sido uma boa ferramenta que entusiasma os alunos e lhes permite a publicação dos seus trabalhos à escala global enquanto ainda estão a estudar", explica.
Os weblogs ajustam contas com o jornalismo
"A ética está para o jornalismo como o zumbido está para o moscardo". A frase é do escritor Gabriel Garcia Marquez, mas foi usada por Manuel Pinto, docente da Universidade do Minho, numa analogia à credibilidade (ou falta dela) dos blogues.
A relação entre os blogues e o jornalismo é um tema já considerado "clássico" na discussão da blogosfera. "Os media vêem a blogosfera como um sub-produto, uma curiosidade, mas que está longe dos seus valores", explica o docente, recorrendo uma frase de Nicholas Lehman, director da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América: "Os blogs são um recurso ridículo e medíocre dependente do jornalismo que tanto criticam". A discussão acende-se. "Foi o jornalismo que não cumpriu o seu papel na sociedade ou a sociedade iria caminhar, invariavelmente, no sentido de consumir e começar, ela própria a produzir informação?", pergunta uma participante da audiência. Manuel Pinto procura explicar: "os escândalos do jornalismo internacional, como, por exemplo, o modo acéfalo como certos jornais se alinharam com a administração Bush na Guerra do Iraque e que, dois anos depois, se viu obrigada a retractar-se publicamente, fez com que os cidadãos passassem de passivos a reactivos e que procurassem fontes alternativas de informação. A agora existe a possibilidade de todos poderem publicar o que quiserem. E isto é revolucionário", diz.
Mas, segundo Orihuela, há um motivo que, mais do que qualquer outro, é o grande impulsionador do crescimento dos «weblogs»: a vontade individual. "É isso mesmo, é o ‘porque me apetece’! E não há nada mais forte do que isso!", afirmou, com a certeza de que os blogues não vão acabar. Mesmo que mude o formato ou a forma. "Podem-lhes vir a chamar o que quiserem. O caminho está na inovação", diz.
Noticia do Expresso de hoje.